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  • Foto do escritorElenita Sales

Racismo Ambiental no Brasil

Como muitos sabem, o projeto que faço parte, Sail For Climate Action, precisou ser interrompido pela metade. Quando estávamos em Bermudas precisamos retornar para nossos países e modificar o formato inicial do projeto. No momento que já estávamos seguros em nossas casas começamos a realizar workshops online sobre diferentes temas socioambientais e o meu foi sobre Racismo Ambiental.


Decidi aproveitar todo conteúdo sobre o tema e organizar uma postagem para o blog. Para contextualizar melhor vou explicar como surgiu o conceito de Racismo Ambiental e para trazer o contexto para o Brasil precisarei introduzir o tema desde o período de sua invasão.


Racismo “é uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios, a depender ao grupo racial ao qual pertençam” Prof. Silvio Luiz Almeida (2018)

Conceito de Racismo Ambiental


Racismo Ambiental é um termo cunhado por uma pessoa negra, no caso pelo Dr. Benjamin Franklin Chavis Jr. Ele, que é um líder negro pelos direitos civis, chegando em sua juventude a ser assistente de Martin Luther King Jr., no ano de 1981 cunhou o termo a partir de suas investigações e pesquisas entre a relação de resíduos tóxicos e a população negra norte-americana.

Racismo ambiental "é a discriminação racial no direcionamento deliberado de comunidades étnicas e minoritárias para exposição a locais e instalações de resíduos tóxicos e perigosos, juntamente com a exclusão sistemática de minorias na formulação, aplicação e remediação de políticas ambientais." Dr. Benjamin Franklin Chavis Jr. (1981)

Na década de 1990, nos Estados Unidos, foi montada uma comissão pela Agência de Proteção Ambiental (Environmental Protection Agency – EPA), para investigar a denúncia de que três quartos dos aterros de resíduos tóxicos da região sudeste do país estavam localizados em bairros negros (NOGUEIRA, 2018).


A investigação começou após denúncias e manifestações promovidas pela população negra do condado de Warren County, na Carolina do Norte, contra a instalação de um aterro de resíduos tóxicos de PCBs (bifenil-policlorado) em sua vizinhança, acusando a agência de racismo ambiental. Essa terra contaminada não desaparece, tem de ficar depositada em algum lugar e a EPA escolheu como um desses lugares a comunidade negra de Warren County.



A disseminação da denúncia e dos debates culminou com a descoberta de que três quartos dos aterros de resíduos tóxicos da região sudeste dos Estados Unidos estavam localizados em bairros habitados por negros. A EPA foi receptiva, montou uma comissão para estudar o caso. Essa vertente do racismo se caracteriza por responsabilizar ou prejudicar ambientalmente de forma desproporcional certos grupos étnico-raciais (HERCULANO, 2006).


Início da Invasão do Brasil


O Brasil foi invadido no ano de 1500, por portugueses. Quando chegaram no Brasil encontram centenas de nações indígenas, sobretudo entre os anos de 1540 até 1570. Trata-se de uma alternativa à mão de obra africana durante todo o período do Brasil Colônia. Entre os séculos XVI e XVII, foi sendo gradativamente substituída pela escravização dos africanos que chegavam no Brasil pelo tráfico negreiro.


Ao longo dos 300 anos de existência do tráfico negreiro, cerca de 4,8 milhões de africanos foram trazidos para o Brasil, o que significa que nosso país foi o que mais recebeu africanos para serem escravizados ao longo de três séculos em todo o continente americano.


Os escravos africanos, porém, não aceitavam a escravização e a violência direcionadas a eles de maneira passiva. A história da escravização africana no Brasil é marcada pela resistência e luta dos africanos que fugiam, formavam quilombos, revoltavam-se, matavam seus feitores e senhores etc. Dois grandes episódios de resistência escrava foram a formação do Quilombo dos Palmares e a Revolta dos Malês.



O Brasil foi o último país do continente americano a abolir o trabalho escravo e isso ocorreu por meio da Lei Áurea, aprovada pelo Senado e assinada pela princesa Isabel, em 13 de maio de 1888. O fim da escravidão no Brasil não foi por um ato de bondade da monarquia brasileira, mas foi uma conquista realizada por meio do engajamento popular e da resistência dos escravos.


Para saber mais sobre a história da escravidão no Brasil basta clicar aqui.


Racismo Ambiental no Brasil

Consequências do Processo de Colonização


Como foi citado anteriormente, segundo Dr. Benjamin Franklin Chavis Jr. "racismo ambiental é a discriminação racial no direcionamento deliberado de comunidades étnicas e minoritárias para exposição a locais e instalações de resíduos tóxicos e perigosos, juntamente com a exclusão sistemática de minorias na formulação, aplicação e remediação de políticas ambientais."


No contexto do Brasil, é possível observar a prática de racismo ambiental desde o período do seu processo de colonização, onde as consequências são trazidas até os dias de hoje, desde a exploração dos povos indígenas e o modo que ocorreu a abolição dos escravos africanos. Para não estender muito, nessa postagem vou abordar mais sobre o racismo ambiental no território urbano e em outro momento tratarei sobre os povos indígenas e quilombolas.


O tráfico negreiro foi extinto no Brasil pela Lei Eusébio de Queirós, em 1850, como o processo de abolição já estava iniciado, a saída encontrada pelo governo e pelos grandes fazendeiros, para substituir os trabalhadores libertos, foi incentivar a vinda de mão-de-obra de fora do país. Para atrair os estrangeiros, pagavam-se as passagens de navios e eram oferecidos alojamentos temporários até o imigrante arrumar trabalho. Essas medidas foram tomadas em 1870 e com isso o fluxo de imigrantes aumentou.


Este fenômeno contribuiu ainda mais para a marginalização do negro na sociedade, e com o desenvolvimento da indústria no Brasil, São Paulo e Rio tiveram um grande crescimento demográfico acelerado, devido ao êxodo rural. Ao chegarem nessas capitais, os ex-escravizados se depararam com as fábricas, e como nunca haviam tido a experiências que os italianos e japoneses tiveram anteriormente em seus países já industrializados, foram substituídos nas fábricas também.

Sem moradia, condições econômicas e assistência do Estado, muitos negros passaram por dificuldades após a liberdade. Muitos não conseguiam empregos, sofriam preconceito e discriminação racial. A grande maioria passou a viver em habitações de péssimas condições e a sobreviver de trabalhos informais e temporários. Já que não tiveram lugar no campo e nem na cidade, foi no morro que o negro se instalou.

O Censo de 2010 identificou um total de 6.329 aglomerados subnormais no Brasil. Aglomerado Subnormal é uma forma de ocupação irregular de terrenos de propriedade alheia – públicos ou privados – para fins de habitação em áreas urbanas e, em geral, caracterizados por um padrão urbanístico irregular, carência de serviços públicos essenciais e localização em áreas restritas à ocupação. No Brasil, esses assentamentos irregulares são conhecidos por diversos nomes como favelas, invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas, ressacas, loteamentos irregulares, mocambos e palafitas, entre outros.

A maior parte dos domicílios em aglomerados subnormais estão localizados na região sudeste do país, cerca de 49,8%. Por isso essa região será o foco nessa apresentação, principalmente São Paulo e Rio de Janeiro.

Mais da metade dos domicílios possuem aclive/declive moderado ou acentuado. 75% dos domicílios não tem espaçamento entre as edificações e 55% possui dois ou mais pavimentos.


Tratando-se da características e localização dos domicílios, a nível nacional, a maioria está localizado à margem de córregos, rios ou lagos/lagoas.

A Região Metropolitana de São Paulo possuía o maior quantitativo de domicílios em aglomerados subnormais predominantemente às margens de córregos, rios ou lagos/lagoas (148.608), que ocupavam uma área de 2.571,0 hectares. Além disso, 2.282 domicílios em aglomerados subnormais em áreas de predomínio de faixa de domínio de gasodutos e oleodutos e 10.816 em área com predomínio de faixas de domínio de linhas de transmissão.

Com a falta de formulação de políticas públicas para maiorias minorizadas como as pessoas negras e pobres, localizadas principalmente em favelas (como consequência dos eventos apresentados anteriormente), quem sofre mais ainda com os efeitos das mudanças climáticas é justamente essa parte da população.

Segundo o 4º relatório do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change), as chuvas irão aumentar no Sudeste com impacto direto na agricultura e no aumento da frequência e da intensidade das inundações nas grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. O relatório foi publicado em 2007 e a cada ano os deslizamentos de terra e enchentes se tornaram mais frequentes. Em países tropicais como o Brasil, a mudança rápida dos padrões climáticos terá um efeito ainda mais perceptível.


Em 2016, o Greenpeace Brasil publicou o relatório "E agora, José?", onde mostra as perspectivas para o futuro do Brasil e o que o aquecimento global pode causar para o país. “Este relatório mostra que o tema das mudanças climáticas não se resume a um debate entre diplomatas, cientistas e ambientalistas que se reúnem em conferências da ONU. É uma questão presente no dia a dia das pessoas e pode trazer fortes impactos negativos, afetando a conta de luz no final do mês e influenciando no preço dos alimentos. Os prejuízos de um planeta mais quente serão grandes. No Brasil, quem vai pagar a maior parte desta fatura será a população mais pobre”, diz Márcio Astrini, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil, na época do lançamento do relatório.


O relatório sintetiza e analisa dados de mais de 40 dos mais sólidos estudos sobre clima no Brasil, lançados até 2016, e apresenta um resumo de estudos de casos sobre consequências de desastre naturais no Brasil.


Rio de Janeiro

Desastre: Pior desastre na história brasileira em decorrência de deslizamentos e inundações na região serrana do estado a partir de chuvas intensas em janeiro de 2011.

Consequência:

• R$ 4,78 bilhões em perdas e danos para o setor público e propriedades privadas.

• Setores sociais foram os mais impactados, seguidos de infraestrutura.

• 900 mortes e mais de 300 mil pessoas afetadas principalmente por deslizamentos.

• Impactos ambientais estimados em R$ 71,4 milhões.


São Paulo

Desastre: Alagamentos decorrentes de chuvas intensas entre 2008 e 2012.

Consequência:

• R$ 226 milhões em média por ano de perdas econômicas associadas ao estado de São Paulo

• Considerando a importância de São Paulo para várias atividades econômicas no restante do país, as perdas são ainda maiores: R$ 4,5 milhões por ano em média para o restante da região metropolitana de SP; R$ 16,8 milhões por ano em média para o resto do estado de SP; R$ 97 milhões por ano em média para o resto do país.

• Custo de operação dos veículos triplica durante inundações, ficando de R$ 0,26 a R$ 0,78/km para veículos particulares e de R$ 1,50 a R$ 3/km para caminhões.

• Passageiros e motoristas perdem em média 3 horas, o que resulta em um custo de R$ 6/h/passageiro de veículo particular e R$ 2/h/passageiro de ônibus e caminhões.


São muitas as consequências de séculos de escravidão e exploração, esta postagem apresenta apenas a ponta do iceberg, falta muito para conseguirmos uma real reparação histórica e justiça ambiental. O mundo já percebeu o descaso de nossos governantes em relação a preservação do meio ambiente e o racismo ambiental. A maioria da população brasileira é negra e essa maioria que sofre com as consequências. A questão é: o que você está fazendo para ajudar a mudar essa realidade?

Sem o investimento adequado em intervenções de mitigação de desastres e programas de resposta a emergências, muitas favelas permanecerão vulneráveis às consequências de desastres naturais. Além disso, é necessário reconhecer as favelas como soluções habitacionais acessíveis, ao invés de tratar as favelas estabelecidas há muito tempo como espaços problemáticos a serem erradicados, esses estigmas prejudiciais contra elas servirão apenas para perpetuar narrativas nocivas. Essas, por sua vez, as manterão em um estado precário, levando a ainda mais fatalidades e mais danos físicos, econômicos e ambientais. (Abby Hanna, Rio On Watch, 2019)

Até o próximo post!


Fontes:

Territórios negros em Florianópolis

O clamor por justiça ambiental e contra o racismo ambiental

Viagens de Escravos

Combate Racismo Ambiental

A Origem das Favelas no Brasil

Um breve histórico sobre o surgimento das favelas

A História da Escravidão Negra no Brasil

Censo Demográfico (2010) - Aglomerados Subnormais

A Crescente Vulnerabilidade Climática do Rio de Janeiro: Um Cronograma https://rioonwatch.org.br/?p=43137

Mudanças climáticas vão agravar a desigualdade social no Brasil - Relatório E agora, José? https://storage.googleapis.com/planet4-brasil-stateless/2016/11/Relatorio_EAgoraJose_completo.pdf

The EPA chose this county for a toxic dump because its residents were ‘few, black, and poor’

'They chose us because we were rural and poor': when environmental racism and climate change collide





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